(Se está a ver este texto, então o seu browser não implementa dHTML e/ou CSS, ou então essas funcionalidades foram desactivadas. Não há qualquer problema! Ainda que rico em detalhe gráfico e interactivo quando visualizado na sua configuração esperada, este site está concebido para que o seu conteúdo possa ser consultado mesmo nos ambientes mais minimalistas.)
por António Martins‑Tuválkin ‹antonio@tuvalkin.pt›
Alocução de encerramento proferida nas comemorações do 134º aniversário do nascimento de Ludwik Zamenhof, 1993.12.10, Palácio Foz, Lisboa
Ludwik Zamenhof nasceu há 134 anos na cidade de Białystok. É sobejamente conhecida a história de como as rivalidades étnicas naquela cidade, naquele ambiente de fim‑de‑império, influenciaram decisivamente o pensamento deste homem, então criança, e influenciaram também a consequente criação da língua: russos, polacos, judeus, bielorussos, lituanos, ciganos… não se entendem. Odeiam‑se por não se entenderem. Se se entendessem, se se conhecessem, talvez não se odiassem. Talvez não fosse possível fazê‑los odiarem‑se uns aos outros.
Durante muito tempo, toda esta questão não foi mais que uma fábula para o nosso Portugal mono‑étnico, país apagado e bem‑comportado num mundo de dois blocos. Eis que, súbita e inesperadamente, entra a realidade pela porta das traseiras (como sempre), trazendo às nossas conversas de café aquilo que nunca tinha de facto perdido a importância: a diversidade das culturas deste nosso pequeno/grande planeta. Regresa ao primeiro plano envolta no pior dos seus sub‑produtos: a guerra. Hoje, mais do que nunca, o papel do esperanto como agente de “ecologia” linguística — aquilo a que Zamenhof chamou «neutralidade» — assume importância fulcral. É esta a sua mais importante característica: a facilidade, a simplicidade, a internacionalidade… são simples instrumentos para optimizar tecnicamente o papel do esperanto: segunda língua de cada povo.
Não língua universal, note‑se: mas sim língua inter‑nacional. Por que aquilo que divide e diferencia os homens — que causa hoje de novo guerras sangrentas — é simultaneamente aquilo que leva cada um de nós a querer viajar, a querer conhecer o seu (dis‑)semelhante — quiçá, a aprender esperanto. Nada seria pior que um mundo culturalmente homogéneo. Aí os motivos e “justificações” para a guerra seriam bem outros. A diversidade cultural é pois uma herança a preservar e assumir, sendo o esperanto ponte privilegiada que permite atravessar sem esforço essas barreiras, oferecendo simultaneamente o gáudio da paisagem multiforme dessa mesma diversidade.
O esperanto — língua viva! Um fascinante fenómeno sócio e psico‑linguístico: uma comunidade de falantes bilingues não étnica, não territorial e voluntária — que ao longo de 106 anos transforma o projecto de Ludwik Zamenhof numa realidade imparável — viva nos congressos, debates, conferências; viva nos teatros de fantoches, torneios de xadrês, partidas de R.P.G.; viva nas terminologias, semióticas, informáticas; viva em saudades de velhos amigos juntos por décadas e separados por megâmetros; viva em casais mistos e internacionais recreios; viva na vivência hoje de uma verdadeira comunicação internacional — a uma escala pequena, mas de ano para ano crescente em quantidade e qualidade.
O que havia na Lingvo universala de 1887 que falta num milhar de protótipos que nunca passaram de tal? Que fez Zamenhof que falhou aos seus antecessores e sucessores? Talvez nada de especial. Talvez o acaso apenas nos tenha trazido hoje aqui. Seja como for, 134 anos depois, não é possível deixar de admirar aquele rapaz tímido e introvertido, aquele homenzinho fumador e modesto — o impulsionador primeiro do esperanto, segunda língua de cada povo.